Muitos juízes preferem aposentadoria a deixar home office, diz presidente do TRF-2

27/09/2021 27/09/2021 06:30 101 visualizações
Durante a epidemia de coronavírus, magistrados e servidores federais, em trabalho remoto, aumentaram a produtividade. Com a difusão da vacinação, o Judiciário pode começar a planejar a volta do trabalho presencial. Porém, a Justiça Federal do Rio de Janeiro e do Espírito Santo enfrentará um problema adicional: muitos magistrados e servidores preferem se aposentar a retornar às suas funções nos estabelecimentos jurisdicionais. E não há condições de organizar concursos rapidamente. É o que afirma o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Messod Azulay Neto. Nem há dinheiro para contratação de pessoal. O desembargador, que comandará a corte no próximo biênio, afirma que, desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o orçamento do tribunal deixou até de receber o reajuste anual. Dessa maneira, o TRF-2 vem fazendo cortes desde 2019, e segue com a prática em 2021. Em sua gestão, Messod Azulay busca promover uma maior aproximação da corte TRF-2 com o Ministério Público e a advocacia, além dos poderes Executivo e Legislativo. Ele também quer investir na conciliação e mediação, de forma a acelerar a resolução de processos. Em entrevista à ConJur, o presidente do TRF-2 ainda disse ser necessário criar um novo modelo de trabalho para a Justiça, mesclando elementos dos trabalhos remoto e presencial, avaliou que magistrados só devem falar nos autos e defendeu que o Judiciário invista na segurança jurídica. Leia a entrevista: ConJur — Quais são os principais objetivos da sua gestão no TRF-2?Messod Azulay — Nós estamos obviamente vivendo a pandemia, então o foco principal que precisamos ter nesse momento é dar condições de trabalho aos magistrados. Aí eu estou me referindo ao primeiro e segundo graus. Se não fosse a tecnologia, nós não teríamos a menor condição de continuar a prestação jurisdicional. Agora, como é que se faz isso nesse momento? Eu venho da iniciativa privada. Eu tenho 21 anos de advocacia e 16 anos de magistratura. Desses 21 anos de advocacia, 12 anos foram em uma grande empresa e nove anos como autônomo. Assim, eu aprendi alguma coisa na iniciativa privada, e uma delas me parece fundamental. Qual é o lema da iniciativa privada? "O cliente tem sempre razão." Então, não basta dar condições para o juiz trabalhar, para a Justiça funcionar, porque só funcionar não adianta, tem que funcionar a contento. É preciso ouvir o cliente. No caso, o jurisdicionado, o advogado, os procuradores, o Ministério Público. Se esses clientes não estão satisfeitos, alguma coisa está errada. Então é preciso sempre estar monitorando, ter um termômetro com os clientes para saber se a coisa está boa, se o cliente está satisfeito. O maior temor que temos com a pandemia é que o Judiciário tenha algum problema na prestação jurisdicional. Logo no início, nós percebemos que havia uma dificuldade de acesso ao juiz. Então uma das primeiras coisas que nós fizemos foi, sem custo adicional para o tribunal, dar um chip e divulgar isso no nosso site, para que os advogados, os procuradores e integrantes do MP pudessem conversar com os magistrados por um número especial, sem violar a intimidade deles. Além disso, demos equipamentos para os magistrados e servidores trabalharem no home office. ConJur — Como a pandemia afetou o funcionamento do TRF-2 Azulay — Afetou demais. Afetou talvez até positivamente, se formos verificar pelos dados. Em 2019, o TRF-2 julgou 68.053 casos; em 2020 esse número subiu para 69.489 julgados. Contando as Seções Judiciárias do Espírito Santo e do Rio de Janeiro e o TRF-2, o número passou de 406 mil para 454 mil. Mas os números não dizem tudo. É aquela primeira resposta que eu dei: nós temos que verificar se o cliente está satisfeito com isso. Nós estamos julgando mais casos, mas será que é isso que o cliente quer? Será que o MP está feliz? Os procuradores, os advogados, o jurisdicionado? Nós precisamos fazer essa análise. ConJur — Quando for seguro retomar o trabalho presencial, o senhor acredita que pode ser positivo manter parte dos magistrados e servidores em home office, já que a produtividade aumentou?Messod Azulay — Que nós vamos voltar ao trabalho presencial, eu não tenho a menor dúvida. Como nós vamos voltar, aí eu já tenho minhas dúvidas. Penso que nós devemos aproveitar o que há de melhor nos dois mundos, no presencial e no virtual, e criar uma terceira forma híbrida de trabalho. Porque não será possível voltar como era antes. Por exemplo, grande parte dos nossos magistrados e servidores estão perto da aposentadoria, estão em abono de permanência, ou seja, podem se aposentar. E já estão dizendo que não voltam a trabalhar presencialmente, que preferem se aposentar. Mas nós não temos condições de fazer concurso, a administração pública não faz concurso de um dia para outro nem contrata de um dia para o outro. Então é um drama que nós vamos viver. Vamos ter que administrar essa situação, pedindo para os magistrados e servidores ficarem em casa enquanto não resolvemos o problema. Porém, outra parcela terá que voltar a trabalhar presencialmente. Então será preciso juntar o melhor dos dois mundos e criar um terceiro modelo, híbrido. ConJur — Como o senhor avalia as audiências telepresenciais? A OAB e a Defensoria do Rio criticaram essas audiências, dizendo que elas prejudicam o contraditório e a ampla defesa. Azulay — As audiências telepresenciais vieram para ficar. Não tem como evitar, principalmente enquanto durar a pandemia. Como elas vão ocorrer depois que as coisas melhorarem é outra história. É o que já disse: os números são maravilhosos, mas como se sente um juiz criminal ao condenar um réu que ele sequer conhece pessoalmente? Como se sente o réu de ser condenado por um juiz que não o conhece pessoalmente? Então, essa solução é muito boa, de audiências e sessões por teleconferência, mas não se pode levar o pêndulo para um lado exageradamente. É preciso ter uma forma solução híbrida de se resolver esse problema. Não se pode fazer tudo virtualmente. ConJur — A pandemia também intensificou a crise econômica. Como está o orçamento do TRF-2? Será preciso fazer cortes? Azulay — Desde o início do governo Bolsonaro não houve sequer o reajuste anual do orçamento, que havia nos outros governos. Não é que não houve aumento. Não houve reajuste e houve corte. E isso mesmo antes da pandemia. Então para nós foi bastante complicado. No início de 2019 nós já tivemos que fazer cortes, principalmente nos contratos de prestação de serviços. E isso é algo que vai continuar, principalmente em 2021. Nós temos dois programas de acompanhamento processual, o Apolo e o E-proc. A manutenção deles é caríssima. Eu já tinha, junto com o presidente anterior [Reis Friede], cortado uma boa parte do Apolo. E agora nós vamos determinar o encerramento do Apolo e a migração de todos os processos para o E—proc. Isso implicará uma economia bastante importante. Dos cinco TRFs, nós somos o único que não tem um prédio novo. Nós optamos por fazer uma pequena modernização. O prédio está parecendo novo a um custo baixíssimo, sem ter que comprar um novo, o que custaria milhões. Então, estamos cortando custos, cortando contratos de prestação de serviços e promovendo adaptações. Isso é inevitável, mas já fazemos desde 2019 e vamos continuar fazendo. ConJur — O senhor foi vice-presidente na gestão anterior, que buscou promover uma maior aproximação do TRF-2 com o Ministério Público e a advocacia, além dos poderes Executivo e Legislativo. Esse empenho de aproximação vai continuar na sua presidência? Azulay — Sem dúvida. Cada vez mais buscarei essa aproximação, com vistas ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. ConJur — As execuções fiscais são o grande gargalo da Justiça, especialmente da Justiça Federal. O senhor concorda com a proposta de resolvê-las de maneira extrajudicial? Azulay — Vou responder com números de novo. E não só sobre execuções fiscais. Na semana de conciliação de 2020, foram feitas 612 audiências, nas quais foram celebrados 514 acordos. Isso quer dizer que 84% dos processos foram encerrados com acordo. Concordo totalmente com isso. A conciliação e a mediação são o primeiro caminho para se diminuir o grande acervo da Justiça Federal. Quando era advogado, eu ocupei todos os cargos da diretoria jurídica de uma grande empresa de telecomunicações. E a companhia era o maior réu privado da Justiça. Logo que assumi a diretoria, eu me dirigi ao corregedor-geral da Justiça e propus a ele colocar um posto no juizado especial cível para tentar convencer pessoas a fazerem acordos. Com muita resistência, ele autorizou. Muitos juízes-auxiliares da Corregedoria não queriam, achavam que a empresa ia colocar um posto dentro da Justiça. Com a autorização, 90% das demandas das pessoas que se dirigiam ao juizado para entrar com ação eram resolvidas por meio de acordos. Por exemplo, se as pessoas iam entrar com ações para reparo de um aparelho ou porque não tinham instalado a linha telefônica, a questão era resolvida com a empresa se comprometendo a instalar a linha em 24 horas e a dar três meses de serviço gratuito. Esse laboratório serviu para os locais onde a empresa tinha filiais. Eu relatei essa experiência aos juízes-auxiliares da presidência e da vice-presidência. É certo que a legislação tem as suas amarras, que não permite muitas vezes que a União, as autarquias federais e as empresas públicas façam acordos. Mas há limites legais em que é possível fazer acordo. A mediação e a conciliação são a primeira porta de saída para tentar melhorar esse represamento de ações que temos. Evidentemente que, se não houver boa vontade dos entes públicos em discutir e negociar, nada disso funciona. Mas conversando com procuradores, percebe-se que eles também querem diminuir os acervos. Sai mais caro insistir no contencioso. Tem multa, honorários de advogados. Eu pedi aos juízes que conversassem com procuradores sobre o assunto. E isso também vale para execuções fiscais. Até certo valor, não vale executar. Então o caminho é conversar e traçar uma estratégia para resolver o problema. ConJur — O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma ênfase maior nos meios alternativos de resolução de conflitos, além de outros instrumentos para dar mais força aos precedentes e tentar conter o excesso de processos. Após cinco anos em vigor, o Código de Processo Civil trouxe mais celeridade aos processos? Azulay — Sim. Esses recursos, o repetitivo e da repercussão-geral, são excelentes. Porém, a avalanche de ações que existem no Brasil não permite que o processo seja julgado com a velocidade que deveria. O Supremo Tribunal Federal não consegue julgar todas as controvérsias que aparecem nos processos, e o Superior Tribunal de Justiça a mesma coisa. Aí acontecem algumas distorções. Por exemplo, dois réus respondem por um mesmo fato. Porém, pelo fato de um juiz ter um entendimento e outro juiz ter outro entendimento, ou uma turma ter um entendimento e outra turma ter outro entendimento, um réu acaba absolvido, e outro, condenado. Acontece. A repercussão-geral deveria ter resolvido esse problema, mas não resolveu ainda. Então há um problema no sistema. Isso acontece muito na área previdenciária. Dois sujeitos pedem o mesmo benefício, e um consegue, outro não. E às vezes o recurso não consegue subir e transita em julgado. Essas distorções vão acontecendo, e isso gera um mal-estar para o Poder Judiciário. Mas a culpa não é do Judiciário, o tema tem essa deficiência mesmo. Lógico que a implementação do novo Código de Processo Civil teve o objetivo de melhorar esse aspecto, e melhorou. Mas a quantidade de processos é tão grande que o Supremo e o STJ não têm tempo de resolver todos os problemas ao mesmo tempo. E aí as discussões ainda continuam ocorrendo. ConJur — Como o TRF-2 se posicionará diante da política de valorização do primeiro grau de jurisdição, estabelecida pela Resolução 219/16 do Conselho Nacional de Justiça? Azulay — Eu sou favorável à segurança jurídica, à previsibilidade. Ainda que o julgado não tenha sido em repercussão-geral ou em recurso repetitivo, penso que nós já devemos começar a seguir a decisão do Supremo ou do STJ. Eu tenho a minha opinião sobre o assunto, mas prefiro deixá-la de lado para dar ao jurisdicionado segurança jurídica. Passar a mensagem de que, se ele for entrar em juízo, saberá o que será decidido. Agora, com relação à primeira instância, isso é um compromisso que eu estou assumindo já com corregedor e com os juízes que nos auxiliam. Logo no início da gestão, fiz uma videoconferência com os juízes de primeira instância para ouvir, para tentar passar uma mensagem a eles. Eu percebo que de fato há um distanciamento entre primeira instância e segunda instância, mas eu quero passar a mensagem de que nós somos colegas, que o canal está totalmente aberto para eles falarem o que desejarem, reivindicarem o que desejarem. É lógico que não podemos premiar um juiz como se faz na iniciativa privada, dando aumentos salariais pela produtividade ou qualidade das sentenças. Não se pode fazer quase nada, a valorização é muito estreita. Mas quando se tem várias cabeças pensando, as luzes aparecem. Então, abrindo esse canal, conversando com outros juízes e estando pronto para ouvi-los, eu tenho certeza que a primeira instância vai se sentir valorizada. E, desde que suas reivindicações sejam razoáveis — mas elas são razoáveis sempre —, nós poderemos conversar e atendê-las e valorizá-los. ConJur — Os auxílios que os magistrados recebem vêm sendo questionados. Qual é a sua opinião sobre esses auxílios? Azulay — O TRF-2 segue estritamente as normas e determinações do CNJ. Nós não temos nenhum tipo de auxílio que não sejam aqueles determinados pelo STJ e pelo CNJ. Nós não temos nenhuma distorção, nenhum auxílio que o CNJ diga que não devemos ter. ConJur — A Câmara dos Deputados aprovou no ano passado a criação do TRF-6, com sede em Belo Horizonte. Como o senhor avalia esse tribunal? Ele é necessário? Azulay — O que eu hoje vejo é que é necessário o aumento, de fato, do número de magistrados de segunda instância. Se através da criação do TRF-6 ou não, isso para mim é irrelevante. Mas com essa quantidade de demandas, penso que deveria ter o aumento de desembargadores na segunda instância. ConJur — Diversas autoridades e ex-autoridades do Rio foram presas ou estão sob investigação. A maioria desses processos corre na Justiça Federal. O que o Judiciário Federal pode fazer diante desse cenário de aparente corrupção que se alastrou no estado? Azulay — No âmbito da Justiça Federal, o juiz tem que manter uma equidistância entre as partes. Eu sou daqueles que mantém aquele conservadorismo nesse aspecto do magistrado. O juiz tem que analisar os fatos e aplicar a lei ao caso concreto. O juiz não tem que falar fora dos autos. Deve apenas se manifestar dentro do processo, estritamente aplicando a lei ao caso concreto. O caso que é trazido a ele, ele julga. A situação do Rio tem sido complicada, mas o Judiciário não pode se isentar de apreciar os casos. O caso é trazido, o juiz julga da forma como a Constituição e a lei determinam que ele faça. ConJur — No fim do ano passado, na solenidade de posse dos juízes federais substitutos, o senhor criticou "o sistema jurídico falho e rico de imprecisões, que contribui para o atraso na solução dos processos judiciais". Qual o principal problema do nosso ordenamento jurídico e o que pode ser feito para resolvê-lo? Azulay — O sistema jurídico tem falhas. Por exemplo, o indivíduo entra com um processo, aguarda anos discutindo no processo de conhecimento o resultado final da demanda. Depois de anos de discussão, ele parte para a execução, achando que ganhou o processo. Em inúmeras vezes, ele não consegue receber o que ganhou. Então quem perdeu está aborrecido porque perdeu, quem ganhou não consegue receber, e ninguém ficou satisfeito. No âmbito da Justiça Federal, depois de muitos anos de discussão em um processo previdenciário, o sujeito morre e não consegue receber o benefício. Os herdeiros se habilitam, e não conseguem receber o benefício. Alguma coisa está errada aí. Recentemente um veículo de imprensa divulgou um caso de corrupção que estava tramitando havia 17 anos, e estão falando em prescrição. Ninguém pode passar quase duas décadas respondendo a um processo, ainda que haja reconhecimento de prescrição. E se não houver, o sujeito foi condenado depois de 20 anos. É ruim para o MP, é ruim para as partes, é ruim para todo mundo. Ninguém fica satisfeito com uma resolução como essa. Depois de 15, 20 anos o sujeito vai para a cadeia, quando ele já não é mais a mesma pessoa. Não se pode litigar dez anos para depois não receber nada. É o famoso "ganha, mas não leva". Então o sistema tem imprecisões. E as formas de correção passam pelas escolas da magistratura, pela OAB, mas principalmente por alterações legislativas. O sistema não deixa as partes satisfeitas. O culpado é o Judiciário? Não. Quem é o culpado? Tem que se verificar, detectar, fazer o diagnóstico da causa e tentar corrigir.