A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vai julgar, em embargos de divergência, se a teoria da imprevisão é aplicável para o caso da variação cambial brasileira de 1999, em relação a empréstimos em moeda estrangeira. Essa teoria indica que é possível a revisão ou mesmo a resolução de um contrato quando fatos novos e imprevisíveis tornarem a relação excessivamente onerosa a uma das partes. No caso julgado, o fato apontado é a desvalorização do Real quando o Banco Central passou a operar em regime de câmbio flutuante, em janeiro de 1999. A medida afetou empresas que tinha empréstimo em dólar, pois suas dívidas cresceram muito rapidamente. No caso que será apreciado pela Corte Especial, a Nova Moema firmou contrato para obter US$ 10,8 milhões com o Banco Cidade em 1997. O objetivo era usar os valores, obtidos no exterior, para construir um shopping center. O empréstimo não chegou a ser pago, e com a desvalorização do dólar, disparou: hoje, o valor da causa é de R$ 400,9 milhões, dos quais R$ 82,2 milhões são de honorários sucumbenciais devidos aos patronos do Banco Cidade. Quando o banco deu início à execução para cobrar a dívida, a Nova Moema embargou sob o argumento de que há excessos que tornam o valor teratológico.
Defendeu a aplicação da teoria da imprevisão e a possibilidade de pagar a dívida com base na cotação do dólar à época do empréstimo. Em fevereiro, a 3ª Turma do STJ apreciou o caso e decidiu de forma contrária aos interesses da empresa embargante.
Concluiu que é possível e desejado que se faça a correção cambial dos empréstimos obtidos em dólar antes da crise que gerou a desvalorização do Real em 1999 e ainda não quitados pelo devedor. Com isso, a Nova Moema, que é representada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal,
Cezar Peluso, e pelos escritórios
Mundim, Costa Lei e Rolemberg Advogados Associados e
Trindade & Reis Advogados Associados ajuizou embargos de divergência em que aponta que a 3ª Turma contrariou posição dos colegiados de Direito Público. Em outras oportunidades, a 1ª e 2ª Turmas do STJ entenderam que a desvalorização do Real em 1999 foi
fato inesperável e imprevisível que causou prejuízos às empresas que tinham contrato assinado com a União, e que portanto essas deveriam ser indenizadas. A teoria da imprevisão hoje está positivada no artigo 478 do Código Civil de 2002, norma que não estava em vigor em 1997, quando a Nova Moema fez o empréstimo em dólar. O texto diz que "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação". Na petição dos embargos de divergência, a Nova Moema diz que tem direito subjetivo de obter adequação do contrato, com divisão dos encargos, nos moldes firmados pelo STJ, para que não seja obrigada a suportar, sem causa justa, nem jurídica, os danosos efeitos da inesperada variação da moeda. "Ao afastar a teoria da imprevisão, o acórdão embargado reputou esperada a crise cambial de 1999, divergindo de vários precedentes dessa Corte que a qualificaram, com todo o acerto, de imprevisível", diz a petição. A imprevisibilidade da crise cambial e seus efeitos sobre o contrato já foram atestados em
pareceres dos ministros aposentados do STJ
Sidnei Beneti e
Ruy Rosado — este morreu em agosto de 2019 — levados aos autos antes do julgamento da 3ª Turma. Beneti, em 2019, destacou que a Justiça deve determinar que a Nova Moema e o Banco Cidade dividam por igual as consequências da desvalorização do real em 1999. Por outra parte, a Buena Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros encomendou
parecer em favor do Banco Cidade em que o jurista
Arnoldo Wald, sócio do
Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, apresenta posição contrária. Wald apontou que a variação cambial não é um evento imprevisível e excepcional. Além disso, não gera "extrema vantagem" à instituição financeira. Segundo o jurista, a alteração na cotação da moeda é risco inerente ao negócio, assumido pelo devedor ao contratá-lo. Os embargos de divergência na Corte Especial foram admitidos e serão relatados pelo ministro Mauro Campbell, que ainda concedeu liminar para suspender decisão tomada no âmbito da execução contra a Nova Moema que determinou a penhora de todo o faturamento do
Shopping Center Colinas e a alienação judicial dos imóveis penhorados que compõem o mesmo.
Clique aqui para ler a petição dos embargos de divergência Clique aqui para ler a decisão que admite os embargos de divergência Clique aqui para ler a decisão em tutuela provisória EREsp 1.447.624