Pets x vizinhos: uma relação nem sempre amigável

18/08/2021 18/08/2021 06:58 128 visualizações
Convenções, leis e acordos podem ser insuficientes para resolver problema entre tutores dos animais e outras pessoas
Um fato inusitado ganhou o noticiário na última semana, quando um grupo de 22 gatos entrou na Justiça contra um condomínio em João Pessoa, na Paraíba. Segundo o processo, a administração do conjunto residencial vinha promovendo ações para impedir a presença dos animais no local, vetando, por exemplo, que moradores alimentassem os bichinhos – ou melhor, os “sujeitos de direitos não humanos, da espécie Felis catus”, como são descritos na ação. Castrados, vermifugados e com a vacinação em dia, os bichanos aparecem como autores da iniciativa, sendo assistidos judicialmente pelo Instituto Protecionista SOS Animais e Plantas. De acordo com os defensores da gataria, acordos amigáveis já haviam sido tentados, mas sem sucesso. Por mais insólita e singular que pareça, a história põe em evidência um problema que é, na verdade, bastante comum. Estamos falando da muitas vezes difícil relação entre pets, seus tutores e os vizinhos deles. Evidentemente, se o entrevero se passa em um condomínio, também entra nesse balaio de gatos a posição dos administradores do lugar. Há até prédios que, com normas desatualizadas, ainda proíbem a presença de animais domésticos. Mas esse tipo de regramento é irregular. “Muito embora os condomínios sejam regidos por suas convenções e regulamentos, a criação de pets não pode ser proibida, o que configuraria violação ao direito de propriedade”, expõe advogada Edna Cardozo Dias, especializada em direito animal. “A rigor, as convenções não poderiam conter em seu bojo essa proibição, porém edifícios antigos possuem normativas que não estão em consonância com a atual realidade social e jurídica”, salienta a membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por outro lado, “em nenhuma circunstância pode o animal perturbar o sossego e saúde dos outros moradores, devendo, quando for necessário, se proceder ao adestramento do animal se este for ruidoso”, pondera Edna, assinalando ser necessário que todos façam sua parte para uma convivência harmônica, sempre tendo em vista que o bem-estar humano, em hipótese alguma, deve ter como custo o sofrimento do animal. “Se o pet faz muito barulho, existem treinadores e psicólogos que ensinam, sem castigo, a se comportar de maneira mais adequada. O que não é admissível é cortar cordas vocais de animais ou submetê-los a castigos para o treinamento”, examina a advogada, que sugere aos tutores avaliar se o porte do pet adotado é compatível com o lugar em que ele vai viver. “Os maus-tratos aos animais constituem crime em qualquer circunstância. Portanto, nem o próprio tutor, nem outras pessoas, como vizinhos ou administradores prediais, podem maltratar o animal”, pontua, reforçando que a Lei de Crimes Ambientais, em seu artigo 32, determina a aplicação de prisão por período de três meses a um ano e multa no caso dessas ocorrências. “E, se o animal que sofrer o abuso for cão ou gato, depois da chamada Lei Sansão, promulgada neste ano, a pena aumenta para dois a cinco anos de detenção e multa”, explica. Edna recomenda que a circulação de animais em áreas comuns seja regulamentada em convenção condominial. Ela complementa que, uma vez notificado de eventuais incômodos causados pelo pet sob sua tutela, o condômino pode ser multado ou, no caso de total desobediência ou falta de acordo, isto é, em casos excepcionais e extremos, “pode o animal ser despejado”. Adestramento positivo  Adestrador há oito anos, Augusto Lavinas explica que muitos de seus clientes buscam o serviço após ouvirem queixas de vizinhos. Na maioria das vezes, latidos excessivos são os grandes vilões das relações entre tutores de cachorros e outros moradores. Mas há também outros problemas rotineiros. “Outra questão que aparece muito está relacionada a urina e fezes em ambientes comuns”, detalha. “Os cães têm cerca de seis tipos de latidos diferentes. Quando vamos adestrá-los, nós buscamos fazer um diagnóstico do animal a partir desse dado. Assim, podemos tratar o pet da maneira mais adequada”, observa. Lavinas informa que, pelo modelo do adestramento positivo, em que o foco é ensinar o tutor a se relacionar com o seu animal, não é possível cravar um tempo médio para a mudança de comportamento do pet. Ele adverte que repreender e intimidar o bichinho só deixa tudo mais complicado. “Normalmente, os mais medrosos são também os que mais demoram a responder ao treinamento”, estabelece. Uma dica do adestrador é recorrer a brinquedos, que podem distrair os cachorros, fazendo com que eles latam com menor frequência. “As opções que têm recheio com petiscos são uma boa saída”, diz. Além disso, é fundamental que o tutor tenha disposição para gastar energia com o animal, fazendo caminhadas, o que também será efetivo para que o pet fique mais tranquilo. Tutores preferem se mudar a se desfazer de animais  Tutora da Gal, de 4 anos, a publicitária Helena Machado, 49, que vive em um prédio no bairro Funcionários, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, celebra nunca ter enfrentado esse tipo de problema. “Sempre pergunto se ela está incomodando, porque ela late bastante. E, ao mesmo tempo, sempre fico com medo da resposta, porque não saberia o que fazer. Certamente, se a presença dela aqui se tornasse um estorvo para os outros, eu me mudaria”, comenta, explicando que, como trabalha em regime de home office, consegue contornar situações. “Se a Gal está na sala e está latindo porque tem alguém passando no corredor, levo ela para o quarto, o que já ajuda bastante”, observa. Já Marcelo Rosa, 41, não teve a mesma sorte. Ele, que trabalha com coleta de recicláveis e vive em uma casa no Alto Vera Cruz, na região Leste da capital, conta ter quatro cachorros, além de, ocasionalmente, resgatar gatos da rua e cuidar deles até que consigam um lar. Por causa dos animais sob sua tutela, ele lamenta enfrentar constantes aborrecimentos. “Se o cachorro latiu, os vizinhos já se incomodam”, comenta. Para resolver, não tem outro jeito: “É cada um no seu pedaço. Eu cuido dos meus e digo para eles que, para saber o que é ter um bicho, tinham mesmo é que adotar uma criação. Assim, quem sabe se tornariam mais tolerantes?”. Rosa certamente estaria mais satisfeito se a vizinhança fosse formada por pessoas como a lojista Janea Márcia, 47. Depois que o cachorrinho dos filhos dela morreu, ela não quis adotar outro pet. Em compensação, todos os moradores do entorno, no bairro Caiçara, na região Noroeste de BH, têm animais domésticos. “Eu nem escuto. Já me acostumei, sabe? Minha irmã, quando vem do interior, onde é tudo muito calmo e silencioso, fica incomodada com os latidos. Mas, para mim, não faz diferença”, garante.