Se as eleições presidenciais de 2018 representaram um marco na forma de realizar campanhas, com claras vantagens no uso da internet pelos candidatos e partidos, dois anos depois o Tribunal Superior Eleitoral aponta para a consolidação de posição moderna e reativa ao principal problema decorrente dessa mudança: a disseminação de desinformação como forma de tumultuar o ambiente eleitoral. Em dois julgamentos relatados pelo corregedor-geral Eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, a corte começou a apreciar teses que se mostram complementares ao admitir uma ampla definição do uso abuso dos meios de comunicação social, prevista no artigo 22 da Lei das Inelegibilidades (
Lei Complementar 64/1990). Neles, Salomão defende que, embora o uso indevido dos meios de comunicação social seja tradicionalmente associado a veículos como televisão, rádio, revistas e jornais, sua menção pela LC 64/1990 fornece um conceito aberto capaz de abarcar redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. É o que se vê no caso do
deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (PSL-PR), que está sendo julgado por usar
live no Facebook no dia das eleições de 2018 para promover infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação. E também no julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão. Embora o relator tenha votado pela
improcedência do pedido de cassação devido à falta de prova da gravidade de disparos em massa via WhatsApp, propôs tese segundo a qual o abuso dos meios de comunicação seja reconhecível no ato de usar aplicativos de mensagens instantâneas para espalhar fake news. Seja por redes sociais ou aplicativos como WhatsApp, o corregedor-geral Eleitoral defende que o enquadramento da conduta ao artigo 22 da LC 64/1990 se dê sem restrições quanto a formato ou eventual autorização do poder público para seu funcionamento ou operação. Os dois casos têm, até agora, três votos a favor dessa posição: o do relator e dos ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos. O processo contra Francischini foi paralisado por pedido de vista do ministro Carlos Horbach. O de Bolsonaro foi suspenso e voltará a ser apreciado na quinta-feira (28/10), a partir das 9h.
Conceito aberto A aprovação ou não das duas teses vai indicar qual caminho a jurisprudência eleitoral brasileira vai tomar para coibir campanhas de desinformação que, em tempos recentes, têm ameaçado a democracia brasileira, nos moldes do que se viu na discussão sobre a confiabilidade da urna eletrônica. O tema tem divergências na doutrina e é inédito no TSE, tendo sido abordado de forma periférica até agora. O ministro Salomão cita, por exemplo, um voto do ministro Luís Roberto Barroso em 2019, no
REspe 31-02.2017.6.21.0173, quando defendeu que a interpretação do artigo 22 da LC 64/1990 tenha seu sentido e alcance adaptados às inovações tecnológicas advindas da criação da internet. O relator ainda ressalta esse dispositivo conserva seu texto originário há 31 anos, quando o uso da internet ainda não era difundido. A reabertura democrática brasileira foi marcada por campanhas focadas no rádio e na televisão, pelo alcance em massa de eleitores — possibilidade que foi vastamente amplificada pela rede de computadores. “A meu juízo, a internet enquadra-se perfeitamente no conceito de meio de comunicação social e pode desaguar na conduta do artigo 22 da LC 64/90 acaso presentes os demais requisitos do ilícito”, concluiu,
Teses No caso de Francischini, o voto do ministro Salomão diz que, “em suma, a exacerbação do poder político e o uso de redes sociais para promover infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação podem configurar abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, nos termos do art. 22 da LC 64/90”. Já no caso de Bolsonaro, propõe expressamente a redação de uma tese, com desdobramento. Tese: o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas, visando promover disparos em massa, contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato, pode configurar abuso de poder econômico e/ou uso indevido dos meios de comunicação social para os fins do artigo 22, caput e XIV, da LC 64/1990. A gravidade da conduta, por sua vez, e deve ser aferida com base em cinco parâmetros:
- a) teor das mensagens e, nesse contexto, se continham propaganda negativa ou informações efetivamente inverídicas
- b) de que forma o conteúdo repercutiu perante o eleitorado
- c) alcance do ilícito em termos de mensagens veiculadas
- d) grau de participação dos candidatos nos fatos
- e) se a campanha foi financiada por empresas com essa finalidade
No caso concreto da chapa Bolsonaro-Mourão, as aijes ajuizadas pela coligação Brasil Feliz de Novo, que levou a candidatura do PT à presidência da República, não incluíram elementos que comprovem o teor das mensagens (item “a”), a repercussão no eleitorado (item “b”), o alcance do ilícito (item “c”) e o financiamento (item “e”). Isso porque a jurisprudência do TSE indica que o conjunto de indícios apresentados em ação de investigação judicial eleitoral, ainda que dotado de harmonia e convergência, não se qualifica como presuntivo. Ou seja, indícios amparados em lastro probatório mínimo podem e devem ser levado em conta pelo órgão julgador. Mas meras ilações sem respaldo nas provas não se prestam para embasar eventual condenação. Segundo o ministro Salomão, qualquer tentativa de fixar esses parâmetros de gravidade sem base probatória mínima “equivaleria a tecer meras ilações sobre os fatos, o que, como se viu ao se examinar o artigo 23 da LC 64/1990, não se admite”. Nos dois casos, bastará mais um voto acompanhando o relator para formar maioria. Ainda votarão os ministros Carlos Horbach, Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Clique aqui para ler o voto do ministro Salomão RO 0603975-98.2018.6.16.0000 (caso Fernando Francischini) Clique aqui para ler o voto do ministro Salomão Aije 0601771-28.2018.6.00.0000 (caso Bolsonaro-Mourão) Aije 0601968-80.2018.6.00.0000 (caso Bolsonaro-Mourão)