As primeiras lições do coronavírus

01/04/2020 01/04/2020 10:58 110 visualizações

''Fica sem sentido o populismo que divide as massas criando-se inimigos virtuais a serem combatidos, pois o inimigo real é comum''

Flávia Arruda* A gripe espanhola, entre 1918 e 1919, matou mais de 30 milhões de pessoas no mundo todo e, no Brasil, matou até o presidente da República, Rodrigues Alves. Esse episódio histórico ocorreu exatamente 100 anos atrás.
A história da humanidade tem muitos outros registros de epidemias que ceifaram milhões de vidas, paralisaram economias, trouxeram marcas profundas para gerações e induziram a evolução da indústria farmacêutica, a criação de vacinas e antibióticos. Mostraram a importância dos cuidados com saneamento básico, saúde pública e meio ambiente.
Mas todas elas ocorreram num mundo onde eram muito raras as pessoas que, uma vez na vida, viajavam a outros países ou outros continentes.
A grande revolução tecnológica do século 20 criou um mundo novo, com transportes rápidos e acessíveis, grande intercâmbio comercial e informações imediatas, diminuindo distâncias entre as nações e entre os seres humanos.
Não se trata mais de ser contra ou a favor, mas de perceber que esse é o mundo em que vivemos, o mundo globalizado. Essa é a primeira lição do novo coronavírus. Para o bem e para o mal, para a doença e para o remédio, estamos conectados à grande aldeia global.
vírus chegou rápido aqui e é preciso olhar o que o mundo inteiro está fazendo para tomarmos as melhores decisões. Isso vale para os cuidados que devem ser tomados pelos cidadãos e pelos governos, independentemente de serem de direita ou de esquerda, que levem em conta as questões de saúde pública e também de ordem econômica, já que a economia mundial está infectada, ou impactada, pelo vírus.
Nesse cenário, vemos o mundo inteiro buscando o isolamento social para diminuir a curva de demanda pelos hospitais e pelos aparelhos de respiração forçada. Todos os países estão chamando o Estado para colocar dinheiro para atender os mais vulneráveis socialmente e para socorrer as empresas e os empregos.
Daí se extrai a segunda lição. Os problemas reais da vida moderna exigem posições menos ideológicas e mais práticas, menos radicais e mais cooperativas, menos sectárias e mais complementares, relações mais inclusivas e fraternas. Isso posto, fica sem sentido o populismo que divide as massas criando-se inimigos virtuais a serem combatidos, pois o inimigo real é comum. A crise aguda exige, para ser ultrapassada, humildade dos governantes e a busca de convergências, pois o esforço tem que ser de todos.
A terceira lição é a aceitação da nossa fragilidade humana e da fragilidade das sociedades modernas e ultrainformatizadas. Vaidosos das nossas potencialidades, dos nossos avanços tecnológicos, viciados no consumismo, esquecemos que estamos tão despreparados para situações de crise quanto as gerações que nos antecederam. Só que agora com uma população mundial que cresceu exponencialmente e se interconecta com enorme facilidade.
Como refletiu Augusto Cury, foi necessário um vírus para desacelerar o planeta, para olharmos mais para dentro de nós mesmos e de nossas famílias, para mandar mensagens aos amigos esquecidos, para sermos mais cuidadosos com a higiene e mais carinhosos com os idosos. Foi preciso um vírus para entendermos que o culto às celebridades, com ou sem o uso de robôs e redes sociais, é estupidez intelectual, e que o poder só interessa se servir à sociedade. Foi preciso um vírus para dar mais valor à vida que ao dinheiro.
A essa altura ninguém tem certezas absolutas, e por isso faço uma reflexão e não um texto definitivo, mas, ao torná-lo público, enfatizo a desimportância de tantas quedas de braço que têm merecido manchetes de jornais ou guerras virtuais, no Brasil e no mundo inteiro. O que elas valem diante de uma pandemia que deve matar milhões de pessoas?
Claro que há muitas lições por aí e você deve estar pensando em outros ângulos da questão, inclusive a necessidade de líderes e governantes responsáveis, agregadores, sensatos e prudentes. Vamos, então, como cidadãos, cada um fazer a sua parte, com tolerância e compreensão, unidos no desejo comum de superar os obstáculos e aprender com a crise para sairmos do outro lado num mundo mais fraterno e solidário. *Deputada federal (PL-DF)