Estudo do
IDados mostra que 35,1% dos trabalhadores negros com ensino superior completo trabalhavam em cargos de nível médio ou fundamental no 1º trimestre de 2020, o que representa 2.397.390 das pessoas negras ocupadas. O percentual é superior ao de pessoas brancas que têm formação de nível superior em cargos com menor exigência educacional: 28,5%, ou 3.525.241 de pessoas. O
levantamento (125 KB) foi feito com base em dados da
PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De acordo com o estudo, no 1º trimestre de 2015 haviam 4.338.947 pessoas negras e 10.214.445 pessoas brancas empregadas. No mesmo período de 2020, os números passaram para 6.823.065 e 12.339.708, respectivamente. Os dados indicam que, nos últimos 5 anos, a proporção de trabalhadores com ensino superior que atuam em cargos de nível médio ou fundamental cresceu mais entre negros do que entre brancos. Em 2015, a taxa de pessoas negras nessa situação era de 29,8% e chegou a 35,1% em 2020 –alta de 6 pontos percentuais. Já considerando as pessoas brancas, há 5 anos, 25,9% com nível superior atuavam em cargos sem essa exigência de qualificação. Agora são 28,5% –alta de 3 pontos percentuais.
Segundo Ana Tereza Pires, pesquisadora responsável pelo estudo, o crescimento da proporção de indivíduos sobre-educados, que têm a qualificação incompatível com a função,
“está ligado à expansão do acesso ao ensino superior e a incapacidade do mercado de trabalho brasileiro em acomodar estes indivíduos graduados”.
“É justo frisar que este aumento acelerou a partir de 2015, momento em que a economia estava em recessão. Mesmo após o fim da recessão em 2017, notamos 1 tímido crescimento econômico. Neste contexto, a demanda por contratar esta mão-de obra não se deu de modo a suprir a quantidade crescente de trabalhadores com diploma superior”, avalia. A pesquisadora afirma que as diferenças encontradas entre brancos e negros podem estar associadas a muitos fatores. Segundo ela, embora a política de expansão do ensino superior tenha aumentado tanto o número de brancos quanto o de negros graduados, as políticas afirmativas, como as cotas raciais, ampliaram a representação dos negros nas instituições de ensino superior.
“Isto posto, a maior dificuldade encontrada pelos indivíduos negros em encontrar postos de trabalho adequados ao diploma pode ser parcialmente explicada tanto por questões subjetivas, como 1 componente discriminatório dos empregadores, quanto por questões objetivas como outros diferenciais de qualificação que favorecem aos brancos”, diz.
“É importante notar que estes diferenciais de qualificação –por exemplo falar 1 segundo idioma ou ter familiaridade com o uso de computadores– refletem a desigualdade de acesso a essa qualificação.” Em 19 de outubro, em
entrevista ao Roda Viva, programa da
TV Cultura, Cristina Junqueira, sócia do Nubank e mulher branca, disse que há uma
“dificuldade em encontrar candidatos negros adequados às exigências das vagas nas empresas”. Após a repercussão negativa de sua fala, a empresária publicou
1 vídeo no LinkedIn no qual pede desculpas e diz que acabou se expressando mal sobre o tema. O debate sobre o racismo, seja por meio da discriminação direta, estrutural ou institucional, foi impulsionado pelo movimento
Black Lives Matter em maio deste ano. O estopim foi a morte de 1 homem negro,
George Floyd, asfixiado por 1 policial branco na cidade norte-americana de Minneapolis. O movimento se espalhou por diversos países, inclusive no Brasil. Algumas empresas no Brasil adotaram medidas para reduzir a assimetria que existe entre negros e brancos no quadro de funcionários, principalmente em cargos de liderança. Em 18 de setembro, o Magazine Luiza
abriu inscrições para seu programa de trainees 2021 com edição exclusiva para candidatos negros. Foi o 1º com essa característica no país. O programa chegou a ser
alvo de ação por parte da DPU (Defensoria Pública da União), que alegou haver uma “
violação de direitos de milhões de trabalhadores (discriminação por motivos de raça ou cor, inviabilizando o acesso ao mercado de trabalho)”. Para o MPT-SP, não houve violação trabalhista, mas sim uma ação afirmativa de reparação histórica. Em 29 de setembro, a Bayer também abriu 1 programa com o mesmo intuito. Em entrevista ao
Poder em Foco, programa do
Poder360 em parceira com o
SBT, o vice-presidente de Finanças da
Bayer Crop Science para a América Latina,
Maurício Rodrigues, informou que a procura pelo programa foi bastante alta. Para 19 vagas, já haviam 10.000 candidatos em 16 de outubro.
“Nesse caso específico [o programa]
veio reforçar uma espécie de demanda reprimida”NÚMEROS POR GÊNERO
Quando analisados por gêneros, os dados indicam que o homem negro com ensino superior enfrenta mais dificuldades em encontrar empregos que exigem qualificação mais elevada. No 1º trimestre de 2015, haviam 1.759.988 de homens negros empregados, 2.803.612 a menos do que homens brancos ocupados (4.563.600). Deste número, 33,6%% das homens negros com ensino superior estavam em cargos de menor exigência educacional e 27,2% homens brancos estavam nessa situação.
Já em 2020, o número de homens negros empregados passou para 2.779.886 no mesmo período. A taxa dos que tinham ensino superior e estavam em cargos de nível médio ou fundamental era de 37,9% –alta de 4 pontos percentuais em 5 anos. Enquanto 5.449.033 homens brancos estavam empregados e, destes, 29,6% estavam em cargos de qualificação inferior –alta de 2 pontos percentuais.
Considerando gênero feminino, no 1º trimestre de 2015, haviam 2.578.959 de mulheres negras empregadas, 3.071.886 a menos do que mulheres brancas ocupadas (5.650.845). Segundo o estudo, a proporção relativa ao contingente de mulheres negras com ensino superior e em cargos de menor exigência educacional apresentou crescimento em face do total, enquanto o grupo de mulheres brancas tornou-se proporcionalmente menor: 33,2% das mulheres negras com ensino superior estavam em cargos de ensino médio e fundamental –alta de 5 pontos percentuais; e 27,8% mulheres brancas estavam nessa situação –alta de 3 pontos percentuais. Em relação à situação das mulheres negras, Ana Tereza Pires avalia que tanto a discriminação como diferenciais de qualificação intrinsecamente relacionados a desigualdade de acesso são determinantes neste grupo. Segundo ela, entretanto, existem componentes específicos da desigualdade de renda –que quase sempre acompanha a questão racial– importantes quando discutimos a situação das mulheres no mercado de trabalho.
“Ainda que a taxa de fecundidade de mulheres negras tenha caído substancialmente quando comparamos ao inicio dos anos 2000, mulheres negras ainda tem, em média, mais filhos do que mulheres brancas. Assim, é possível que mulheres negras tenham mais interrupções de carreira o que dificulta o ganho de experiência”, declara.
“A própria necessidade de cuidado dos dependentes pode ser 1 obstáculo à contratação, e novamente, mulheres negras sofrem maiores penalidades por possivelmente terem, em média, menos acesso a creches e escolas de qualidade.”